19.10.09

As eleições directas no MPD e a máquina de construção de mitos e imagéticas

Declarados os resultados da eleição para líder do MPD, eis que entra em campo a máquina de campanha do MPD, pois que a mídia impressa e electrónica desempenham um papel importante na transmissão de “imagéticas”.
O conceito de mito político não é somente um fenómeno, uma pessoa, ou uma ideia, mas a representação que se faz desses fenómenos, pessoas ou ideias e as formas que elas assumem, através da contínua e sistemática reelaboração e repetição da imagem por meio de elementos simbólicos e míticos.
A transformação da política num espectáculo, facilitado pela personalização de candidatos e líderes, passando imagens que apelam ao imaginário individual e colectivo “assumindo” o real convida alguns actores políticos a se apresentarem ao eleitorado sem ideias e com propostas esvaziadas de conteúdo, no claro intuito de atingir as diferentes camadas sociais, principalmente buscando dar resposta a algumas expectativas e demandas remanescentes.

É o que acontece actualmente, por exemplo, no MPD. Por falta de uma motivação gerada de uma visão programática do futuro do país, em termos de governação, a candidatura de Carlos Veiga necessita de um forte pilar comunicacional e de marketing para sustentar os seus discursos. À ausência de ideias fortes e inovadores no que diz respeito à governação do país, o MPD responde com um discurso redondo, paliativo, esvaziado de consistência. É nada mais, nada menos do que um conjunto de “pseudo-propostas” que simplesmente tentam desconstruir o que existe actualmente. Não se vislumbram portanto medidas e propostas de fundo que dêem combate aos desafios do Cabo Verde da modernidade.

Por isso, há necessidade de uma máquina produtora de imagens e de mitos, capaz de fabricar imagens que agitem o eleitorado e passem a “fantasia” da inexistência de medidas e que continuem com a mensagem do partido único, cerceamento de liberdades e garantias e das ladainhas já pré-fabricadas para estes momentos eleitorais.
É aqui que entram o “Expresso das Ilhas” e o “Liberal on-line”. A redundância que era ter o Expri e o Liberal implementando a mesma estratégia de traçar o quadro negativo, com a linguagem com que o faziam, acarretando claros prejuízos para a versão impressa, o MPD viu-se obrigado a mudar o plano. Promoveu um autêntico refreshment do Expri, apostando na amenização do discurso e na busca de uma linha editorial menos anti-sistema e menos cáustica.
Redefiniu sua linha editorial, buscou articulistas de outras esferas políticas, reinventou cadernos atractivos para uma camada específica da população – a jovem – tentando assumir-se como um vector de transmissão dos anseios desta camada.

Assim, o papel de “terrorismo personalizado” e de “assassino de carácter” ficou para o Liberal. Versão electrónica em formato de pasquim propagandístico, com acesso facilitado pela diáspora e um custo de manutenção baixíssimo, o Liberal tem se afigurado como um instrumento fundamental de transmissão da mensagem do MPD, violando na maioria dos casos todos os preceitos de ética e deontologia jornalística que se possa imaginar num país considerado de livre, como é o caso de Cabo Verde.

É um exemplo inequívoco do que não deve ser o jornalismo, ficando ao “gosto do proprietário” e de suas relações e opções político-partidárias o tratamento que se dá a determinadas notícias e o enfoque, fazendo uso de uma linguagem de guerrilha, que não é usual em Cabo Verde.
O Liberal, além de uma clara opção populista no que toca à construção da imagem do líder, aposta na exacerbação do capital imagético que, quer queiramos quer não, ele detém, fruto da construção de um Cenário de Representação Política (CRP) cultivado e sacralizado durante anos, onde a dialéctica imagem/realidade é claramente desproporcional.

Por outro lado, a construção dessa imagética assenta também numa base tradicionalista e num saudosismo chegando mesmo a se transformar numa “ressurreição” profética de duetos, triunviratos e afins que marcaram um determinado período histórico. Aproveitando-se do nunca afastamento de Veiga, passa-se a ideia de quem esteve sempre presente e perfeitamente sintonizado com a realidade do país, mesmo que suas posições sejam um rosário de “é preciso fazer” e, portanto, não se vislumbrem ideias concretas de “como fazer” para lá chegar.
Neste momento o que se quer passar é a ideia de que Veiga é um predestinado, detém uma áurea e um ambiente favorável, adveniente de um potencial desgaste da governação. Tenta-se assim escamotear os casos de corrupção que marcaram a sua gestão, os desmandos, as opções erradas em termos de governação, a crise que se instalou no país e o descrédito a nível internacional.

É, por assim dizer, uma tentativa de reactualização periódica, de acordo com Mircea Eliade, em que o objectivo é interromper o fluxo normal do tempo histórico, ou ainda segundo a abordagem de Georges Sorel, que define o mito e a construção de imagéticas como um elemento mobilizador e apelativo à acção.

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