Muito se tem debatido sobre a dialéctica da esquerda e direita em Cabo Verde e a ocupação do PAICV e MpD no campo de cada espectro político. Sempre afirmei que em Cabo Verde não há essa clivagem ideológica de esquerda/direita, ou seja, não há um forte sentido identitário com qualquer dessas matrizes ideológicas ou doutrinárias. E por várias razões!
O caso cabo-verdiano torna-o de excepção no contexto das democracias africanas. E dentre outras características tais como a proliferação de pequenos partidos do tipo personalista e predomínio de partidos com relevância histórica, o sistema partidário cabo-verdiano é marcado por uma fraca polarização ideológica.
Ora, o PAICV surge num determinado momento histórico e consegue mobilizar as diferentes camadas sociais em torno dessa causa e posteriormente consegue congregar, quer os interesses da burguesia existente com os das massas populares, assente nos pilares do progresso e do desenvolvimento. Fruto da bipolaridade da época, assume a aplicação da doutrina de inspiração socialista, em que as políticas económicas, opções de mobilização das massas confundem-se com os comportamentos do Estado.
Por outro lado temos o MpD que, não obstante ter sido poder durante toda a década de 90, fê-lo sem ter assumido uma linha doutrinária clara. Aliás podemos arriscar a afirmar que o MpD rejeitou, pelos pré-conceitos advenientes, por algum tempo a sua matriz neo-liberal, adiando para depois de 2001 e num cenário de oposição, a sua entrada para uma família internacional.
Temos o PAICV, que nasce fortemente marcado pelo nacionalismo africano das décadas de 50 e 60, com uma evolução conceptual para o socialismo democrático, tendo passado pelo centralismo democrático, de inspiração marxista e o MpD que ultrapassados os seus complexos identitários, assume-se como um partido do centro, das reformas e do desenvolvimento, tentando isolar o PAICV, passando a mensagem de um partido que não se adequa ao sistema democrático, numa estratégia estigmatizante e claramente falhada de diabolização dessa força política.
Podemos concluir então que o discurso ideológico dos partidos cabo-verdianos não parte necessariamente de um posicionamento nos campos ideológicos, muito menos condiciona a sua actuação em termos de doutrina. Os partidos caboverdianos são autênticos “melting pot”, integrando várias correntes. Opção bastante estratégica na medida em que a manipulação identitária poderá condicionar apoios humanos, financeiros e internacionais.
7 comments:
Talvez um seja do centro-esquerda e outro do centro-direita...mas isso só no plano teórico.Na prática os dois são,como disseste,"melting pot"...embora possa compreender essa tendência para "diluição" ideológica entre os partidos do poder,tendência essa que não é exclusivo de CV,sou um dos que gostam de "escolher" um partido com base na ideologia.Senão estaríamos condenados apenas a escolher o partido que for capaz de nos convencer que é "melhor gestor das finanças públicas" ou "que sabe fazer melhor que o outro" - se é que já não estamos!
abraço
Edy,
a própria "configuração" dos partidos africanos determina essa diluição de uma matriz ideológica: surgimento em momentos historicos especificos, forte identidade com o seu líder (referencia que Cabral e Pires aindta têm no PAICV e CV no MPD). Aliás o contexto do surgimento destes dois partidos determina a sua actuação e sua posição ideológica. Se o pragmatismo foi uma tónica do PAICV na organização do Estado e nas bases de estruturação do sistema político, por parte do MPD ocorreu o mesmo. Aliás, conhecendo os partidos como nós os conhecemos, não achas que se a identidade ideologica fosse um caça votos aqui em CV, eles não teriam se posicionado ha muito tempo??
Tocaste no mais importante Edson: "conhecendo os partidos como nós os conhecemos, não achas que se a identidade ideologica fosse um caça votos aqui em CV, eles não teriam se posicionado ha muito tempo??"
É exactamente porque a "ideologia não colhe votos em CV" que os partidos não se posicionam.Por um lado isso é compreensível porque na altura que os 2 partidos surgiram o nível escolar da população não era elevada e,por isso,os eleitores ainda não tinham uma consciência ideológica muito vincada;por outro lado,é paradoxal porque ao mesmo tempo que o nível escolar é agora mais elevado,a classe média alargou e,por isso mesmo,a consciência ideológica,supostamente,é também mais elevada (as pessoas votam conforme o seu posicionamento ideológico),isso não está acontecendo...será que as pessoas/eleitores não poderiam "obrigar" os partidos a se posicionarem?Pergunto ao cientista político:porque esse "paradoxo"?
Meu caro,
na verdade a satisfação das necessidades básicas aparece como o primeiro "posicionamento ideológico" das pessoas em Cabo Verde. No caso africano não é muito diferente: as relações de poder baseadas na tradição tribal e as variáveis "poder/autoridade" é que determinam as opções, com alguma irracionalidade à mistura...
Em Cabo Verde (África), ao contrário da Europa, não se assistiu ao conflito de classes motivado pela revolução industrial, surgimento de uma burguesia dominate e uma classe trabalhadora mobilizada pelos ideias, primeiro dos socialista utópicos depois por Marx/Engels, consolidado, no pós guerra pela bipolarização leste/ocidente...
O facto de não termos passado pelo processo de industrialização também teve o seu efeito,concordo..acho que a filiação partidária dos nossos partidos a nível internacional deveria ser um "indicador" importante sobre a ideologia de cada um...é com pena que vejo que mesmo aqueles que já garantiram a "satisfação das necessidades básicas" continue a ter essa variável como o essencial..enfim...so posso concluir que sou dos poucos que age em pensa,enquanto eleitor,com base na ideologia..
Abraço
"obrigando" os partidos politicos a se posicionarem ideologicamente...ficaríamos sem eleitores, visto que a satistação e o interesse pelas necessidades básicas falam mais alto na hora do X.
Edy,
a filiação tem a ver com o processo historico do surgimento e com o antagonismo natural do campo politico do PAICV e do MPD. O MPD não poderia se filiar na mesma familia do PAICV "comunista, averso à democracia, patrimonialista, etc, etc"...teria que se unir a outra familia, senao seria o feitiço, contra o feiticeiro.
Entretanto a filiação ideológica tem a ver com estratégia de não isolamento e participação nos fóruns de discussão, sem contar com a solidariedade partidária internacional (principalmente em época de oposição)
Ivan, nem se trata de os obrigar a se posicionarem. O debate ideológico não faz parte do imaginário político dos eleitores e por isso, nem entra na agenda eleitoral dos partidos. Aliás, se formos apreciar as medidas dos partidos mesmo os de esquerda nas duas ultimas décadas, reparamos claramente medidas apelidadas de neo-liberias...mas essa perspectiva tem letras para um post, na proxima semana. Obrigado pelos comentarios.
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